sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Até as formigas e os esquilos
*Pe. David Francisquini

Antes de construir uma torre ou enfrentar um exército inimigo, o homem prudente e sério deve planejar. Sentar-se e calcular os gastos de seu empreendimento. Eis o que nos ensina o Divino Mestre numa parábola sobre as virtudes cardeais, aquelas que pautam a nossa vida neste vale de lágrimas.
Por que cardeais? Cardo, em latim, significa gonzo, eixo em torno do qual gira alguma coisa. No caso de dobradiças, giram a porta; no caso do eixo da Terra, giram os quatro pontos cardeais; no caso das virtudes da prudência, justiça, fortaleza e temperança, giram as demais virtudes. Esta é a doutrina da Santa Igreja.
A história do homem não é outra senão um reflexo do seu constante pensar sobre o presente, passado e futuro. Se na natureza até as formigas e os esquilos fazem suas previsões e aprovisionam para o futuro, o que seria do homem se não planejasse sua vida, de modo particular em nossos atribulados dias?
Nesse contínuo ato de planejar inerente à vida, a pessoa deve hierarquizar prioridades. E isso lhe exige virtude, força de vontade na aquisição desse bom hábito. Portanto, as virtudes cardeais devem constituir as balizas desse ato instintivo e ao mesmo tempo racional de organizar a vida.
Consta na História Sagrada que o Simão Cirineu vinha despreocupado pela estrada, pensando tão-somente nos pequenos problemas e nos pequenos interesses de que se compõe a vida miúda da maior parte dos homens, quando de repente se deparou com Nosso Senhor carregando sua Cruz!
Se um homem que há dois mil anos entrou para a História com o seu heroico gesto pensava tão-só nos pequenos problemas da vida cotidiana, imaginemos o que acontece em nossos dias quando tudo parece tramar contra as virtudes? Não podendo nos privar de pensar, os artífices da sociedade atual nos distraem com suas lantejoulas.
Quantas coruscações falsas à beira dos nossos caminhos! Poucos são aqueles que procuram ver a finalidade da vida, poucos os que lutam contra os seus próprios defeitos e cuidam de formar seu caráter e sua personalidade, e, certamente um número ainda menor se preocupa com os seus deveres para com Deus.  
Ao deparar com uma criança, sou muitas vezes levado a me preocupar com a importância de sua educação, como ela deveria ser instruída nos seus deveres para com Deus, como despertar nela a noção de prêmio e de castigo, como proceder para que assimile as virtudes que, apesar de muito diluídas, ainda subsistem nas famílias.
A sede e a fome de Deus a que especialmente nós, religiosos, somos chamados, deveria assemelhar-se aos objetos que se desprendem de determinada altura, e que atraídos pela força da gravidade rumam em direção ao centro da terra. Metafisicamente cada pessoa possui um movimento que a impulsiona para Deus, para o bem, para o verdadeiro e para o belo.
 Contudo, existe verdadeira pressão contra aqueles que procuram levar suas vidas segundo a ordem criada e querida por Deus. Por medo de represálias, quantos preferem a despreocupação, a inércia e a indiferença, não tomando uma atitude em consonância com o seu fim supremo, como que desligados de Deus.
Grassa hoje um ateísmo prático no qual as orações mais elementares são ignoradas por um cristão. E como se tratasse apenas de um simples cristão! Há poucos dias, um fiel digno de minha consideração contou-me que após se confessar numa importante capital do Brasil e rezar o Ato de contrição, o sacerdote lhe pediu uma cópia da oração...
Ainda jovem sacerdote, repleto de esperança e otimismo, eu acreditava ser fácil converter as almas. Promovia missões, visitava as casas, dava conferências e lançava mão de tantos outros meios empregados para tornar uma paróquia exemplar. Mas percebi logo que sem despertar nas almas a tendência para se moverem rumo a Deus, pouco adiantava.
É o que pretendo com essas despretensiosas linhas.

 

quarta-feira, 25 de julho de 2012


Ide, pois, ensinai a todas as gentes

                                                                             *Pe. David Francisquini

Com a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos no Cenáculo cumpriu-se o que Cristo lhes havia prometido antes de sua despedida.  Os frutos da Redenção alcançaram o efeito pleno nas almas daqueles que seriam a coluna e o fundamento da  religião instituída pelo Divino Mestre. Naquele instante nasceu a Santa Igreja.
O pequeno núcleo – cerca de 120 pessoas – acabava de ser regenerado pelo batismo de fogo do Divino Espírito Santo; as trevas que até há pouco grassavam na mente deles deram lugar à luz divina; revigoradas por aquele lenitivo celeste, as debilidades foram substituídas pela coragem heróica, pois afinal, “tudo posso naquele que me conforta”.
Ornados das mais resplandecentes virtudes, os Apóstolos compreenderam os ensinamentos e a missão do Divino Mestre e Senhor, e passaram a propagar o Evangelho em todo orbe terrestre. Sem estudos, eles tinham recebido não apenas o conhecimento, mas também o dom das línguas para que pudessem viver e se comunicar com povos estranhos.
No dia de Pentecostes, a Igreja aparece resplandecente diante dos olhos da multidão como a verdadeira Esposa de Cristo, a abrigar todos  os povos que recebem o batismo, pois “todo poder me foi dado no Céu e na Terra. Ide, pois, ensinai a todas as gentes, batizando em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a observar todas as coisas que  vos mandei”.
Como o Pai e o Filho, o Espírito Santo também é Deus. Ele possui a mesma natureza Divina, o mesmo poder e a mesma sabedoria, além de ser igualmente eterno. Como corpo místico de Cristo, a Igreja é o instrumento para o Espírito Santo renovar a face da Terra; é Mestra para ensinar uma doutrina santa e sem mácula; só Ela é capaz de administrar a graça através dos sacramentos; além de cumprir a missão de afastar os povos do erro e da idolatria e, assim, mostrar o verdadeiro caminho  que conduz as almas ao Céu.
O Espírito Santo está para a Igreja como a alma para o corpo. Cristo é a cabeça desse corpo místico que é a Santa Igreja; o Espírito Santo, a alma. Compete a Ele vivificar este corpo ao lhe comunicar as graças conquistadas pela paixão e morte de Cristo. Assim, a Igreja cumpre a sua missão através da história ao assistir e sustentar as almas, e, mediante essa ação permanente impede que as portas do inferno prevaleçam contra Ela.
No altar, com a renovação do santo sacrifício da cruz, a ação do Espírito Santo age diretamente sobre as almas proporcionando-lhes o alimento dos céus, a Eucaristia; no confessionário,  oferece-lhes o perdão dos pecados; no púlpito, ensina-lhes a palavra de Deus, pois o sacerdote é a ferramenta sagrada que o Espírito Santo se utiliza para efetivar sua missão junto àqueles que receberam o batismo.

domingo, 17 de junho de 2012

A boa a má tristeza



"A tristeza que é segundo Deus, afirma São Paulo, produz uma penitência estável para a salvação; a tristeza do mundo produz a morte (2 Cor. 7, 10). A tristeza pode, pois ser boa ou má, conforme os efeitos que produza em nós. Mas, em geral, produz mais efeitos maus que bons, porque os bons são apenas dois: a misericórdia - o pesar pelo mal dos outros -  e a penitência - a dor de ter ofendido a Deus -, ao passo que os maus são seis: medo, preguiça, indignação, ciúme, inveja e impaciência. Por isso, diz o Sábio: A tristeza mata a muitos e não há utilidade nela (Ecle. 30, 25), já que, para dois regatos de águas límpidas que nascem do manancial da tristeza, nascem seis de águas poluídas"[1].
Essa é a razão por que o demônio faz grandes esforços para produzir em nós essa má tristeza, e, a fim de levar-nos a desanima, começa por perturbar-nos. Não lhe custa muito sugerir pretextos para isso. Não deveríamos afligir-nos por ter ofendido a Majestade divina, ultrajado a Beleza infinita e ferido o coração de Deus, o mais terno dos pais?
"Com certeza", responde-nos São Francisco de Sales. "Devemos entristecer-nos, mas com um arrependimento verdadeiro, não com uma dor mal-humorada, cheia de despeito e indignação. O verdadeiro arrependimento é sempre calmo, como todo o sentimento inspirado pelo bom Espírito: o Senhor não está na perturbação (3 Re. 19, 11). Onde principiam a inquietação e a perturbação, a tristeza má passa a ocupar o lugar da tristeza boa.
"A má tristeza" - insiste o Santo - "deprime e perturba a alma, inquieta-a, incute-lhe temores desmedidos, tira-lhe o gosto pela oração, atordoa e fatiga-lhe a cabeça, impede-a de tirar proveito dos bons conselhos, de tomar resoluções, de formar juízos, de ter coragem, e abate-lhe as forças. Numa palavra: é como um inverno rigoroso que cresta toda a formosura da terra e mergulha na letargia todos os animais; porque priva a alma de toda a suavidade e a deixa paralítica, bloqueando todas as suas faculdades"[2].
Muitos de nós reconhecerão nestes sintomas a perturbação em que se deixaram envolver após as suas faltas e os estragos que ela lhes causou! Tinham começado a levar a sério a vida espiritual e seguiam resolutamente os passos do Mestre pelo caminho do dever, pela rude encosta do Calvário. Mas eis que sobrevém um queda e, com ela, a perturbação! A alma levanta-se sob o amparo do arrependimento e da absolvição sacramental, que tudo bem reparar. Mas nem por isso sossega. Olha-se, examina-se ansiosamente, conta as feridas mal cicatrizadas, remexe-as com receio, infecta-as mais por querer curá-las com despeito e impaciência, "porque não há nada que mais conserve os nossos defeitos do que o desassossego e a pressa em querer expurgá-los"[3].
Entretanto, o passo vai afrouxando. Já não se corre; anda-se a custo. A pessoa arrasta-se, descontente de si e quase que do próprio Deus, perde a confiança na oração e abeira-se dos sacramentos com medo - até que uma circunstância especial, uma confissão excepcionalmente bem feita ou um retiro, lhe restitui por um certo período o fervor que tivera no princípio. Mas se, decorrido algum tempo após essa renovação, não elimina essa intranquilidade, uma nova queda ou simplesmente a lembrança das faltas passadas provocará nela um surto de redobrada depressão e melancolia; voltará ao passo cansado e queira Deus que, à força de hesitações e delongas, não termine por cair numa inércia quase sem remédio.
 
[1] Introdução à vida devota, São Francisco de Sales, IV, 12.
[2] Idem;
[3] Obras Completas de São Francisco de Sales, Annecy, 1832-1932, XIV, 120.
Fonte: "A arte de aproveitar as próprias faltas" - Joseph Tissot; Terceira edição, Quadrante - São Paulo 2003.

segunda-feira, 4 de junho de 2012


FESTA DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO

Pe. David Francisquini



A Igreja Católica, nesse 07 de Junho, comemora uma das mais belas solenidades do seu calendário litúrgico em honra da presença real de Jesus Cristo na santa Hóstia Consagrada. A Hóstia Santa nos envolve, nesse dia, numa atmosfera celestialmente cristã de piedade, devoção e entusiasmo, pois Jesus está realmente presente no Sacramento do Divino Amor, tantas vezes ressaltado por Nosso Senhor em Seus ensinamentos. Prova disso são as próprias palavras do Salvador: “Isto é meu Corpo que por vós será entregue”; “este é meu Sangue que será derramado por muitos”, (Lc. XXII, 19-20). E ainda: “Eu sou o Pão vivo, que desci do céu. Se alguém comer deste Pão, viverá eternamente. O Pão que Eu darei é a minha Carne para a vida do mundo”, (Jo. VI, 51-52).  Debaixo das espécies do pão e do vinho está o Corpo vivo e o Sangue vivo de Cristo e por conseguinte, Jesus vivo, como, por analogia, dentro da “menina” dos olhos se retrata uma paisagem inteira. Por esta razão afirma São Luís, rei de França: “Se Cristo operasse um milagre ao fazer-se a Transubstanciação (do pão e do vinho), de modo que pudéssemos ver com os olhos o Seu sagrado Corpo, eu fechava os meus olhos para não perder o merecimento da fé”. Santo Alberto Magno faz as seguintes considerações: “O calor natural do corpo humano muda o pão e o vinho em carne e sangue; a vinha transforma em vinho a água da chuva; as abelhas, o suco das flores em mel; logo, Jesus Cristo, com mais razão, pode, pelo poder da Sua Palavra, mudar o pão na substância do Seu Corpo, o vinho na substância do Seu Sangue”.  “Aquele que tudo tirou do nada, pode também mudar o que já existe” (Santo Ambrósio).
Assim, a virtude da fé convida todos os fiéis a trilharem  e seguirem constantemente os caminhos sublimes das harmonias e belezas da única Igreja verdadeira, a qual nos ensina a presença real de Jesus na Hóstia consagrada no Sacrifício da Missa, que é, por sua vez, levada em Procissão dentro do Sagrado Ostensório, pelas principais ruas das cidades, onde se desenrolam as várias bênçãos.    
Aplica-se e comprova-se de maneira sensível e admirável as palavras da Escritura, no Antigo Testamento, que dizia que nenhum povo tinha um Deus tão junto de si quanto o povo hebreu. E, Jesus, nosso divino Mestre, nos ensina dizendo: “E eis que estarei convosco todos os dias até a consumação dos séculos”, (Mat. XXVIII, 20). Em conseqüência da piedade eucarística do século XI, a festa de Corpus Christi foi introduzida na Igreja Universal pelo papa Urbano IV, aos 11 de agosto de 1264. O Ofício foi composto por Santo Tomás de Aquino, que,  por amor à tradição litúrgica, conservou algo já existente em algumas Igrejas. A Procissão surgiu em Colônia, Alemanha, espalhando-se logo por alguns países e difundindo-se por toda a Igreja pela ação do referido papa, tendo papel preponderante, Santo Tomás de Aquino. 
O amor do povo católico sempre soube encontrar o que tem de melhor em matéria de esplendor e beleza para reverenciar publicamente Nosso Senhor. Há grande criatividade na confecção dos lindos tapetes nas ruas, de sal grosso, flores, tecidos e outros materiais, que com desenhos variegados e enriquecidos pela multiplicidade das cores nos dão um aspecto fascinante e grandioso do mistério de Jesus na Hóstia Consagrada.    

domingo, 13 de maio de 2012


A VIRGEM DE FÁTIMA TRIUNFARÁ!

                                                                  Pe. David Francisquini

            Neste mês de maio, comemora-se a aparição da Virgem de Fátima às três crianças Jacinta, Francisco e Lucia quando viram numa azinheira a Celeste Visitante. Estava séria e  pediu a oração diária do terço, penitência, emenda de vida e que voltassem seis meses consecutivos. Dentro do ciclo das aparições a mais importante foi a terceira quando Ela mostrou-lhes o inferno para onde vão as almas dos pobres pecadores. Para evitar tão terrível desgraça vinha trazer ao mundo a devoção ao seu Imaculado Coração e a comunhão reparadora dos cinco primeiros sábados. Depois revelou a expansão do comunismo a partir da Rússia que promoveria guerras e perseguições à Igreja e ao Santo Padre e a Segunda Guerra Mundial que se daria no reinado de Pio XI.   Ela viria pedir ainda a consagração da Rússia  pelo Papa em união com todos os bispos, ao seu Coração para evitar a expansão do comunismo e com isso converter a Rússia.  Viria então um tempo de paz se colocassem em prática seus pedidos. Se não, Deus puniria o mundo com terríveis castigos.   
            Feita uma análise acurada dos acontecimentos, as transformações pós-Segunda-Guerra foram de afastamento das linhas indicadas pela Virgem.  Aumento vertiginoso da criminalidade, da imoralidade, destruição da família com o divórcio, o aborto, o amor livre, o dito “casamento gay” e a contracepção. Expansão assustadora das drogas. Terrorismo e revoluções cruéis por toda a parte. Crise de identidade religiosa, crise de autoridade,  embrutecimento do ser humano por toda sorte de vícios e o conseqüente afastamento de Deus, da Religião e dos Sacramentos.  Apatia, indiferença e perda das noções fundamentais de Bem e de Mal. Um direito sem Deus, uma economia sem Deus, uma sociedade sem Deus, num humanismo frágil, inconsistente e intemperante que só pode terminar no caos...
            Dentro desta descrição as palavras finais proferidas por Nossa Senhora: “Por fim, meu Imaculado Coração Triunfará!”, ecoam cheias de esperança apontando para um futuro melhor da Igreja e da humanidade. 

(Artigo publicado nos jornais do Norte-Noroeste Fluminense em 2006)

sábado, 5 de maio de 2012

Comunhão Reparadora dos Primeiros Sábados: como obter a assistência de Nossa Senhora na hora da morte

Plinio Maria Solimeo

Anjo de Portugal entregando a Comunhão aos Pastorinhos
Muitos já ouviram falar da Comunhão dos primeiros sábados. Mas poucos compreendem a fundo o seu real significado. Por isso, não a praticam com as disposições de alma desejadas por Nossa Senhora de Fátima. Comemorando-se este mês de maio o 95º aniversário do início das aparições de Fátima, julgamos oportuno apresentar aqui tal devoção, bem como alguns comentários, tendo em vista ajudar nossos leitores a obterem o máximo proveito dessa prática de piedade, certamente indispensável em nossa época, imersa no neopaganismo.
Porém, para se compreender bem o alcance de uma revelação, é necessário ter-se presente o contexto no qual se encaixa. A da Comunhão dos Primeiros Sábados, se bem que em seus detalhes tenha sido revelada posteriormente, constitui parte essencial das aparições de Fátima que, em sua substância, pode ser resumida em reparação a Deus, feita por meio da oração e da penitência. É assim que deve ser entendida como veremos a seguir.

"Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração"

Na sua segunda aparição, em 13 de junho de 1917, Nossa Senhora disse claramente a Lúcia: "Jesus quer servir-se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração". E fez ver aos videntes o seu Coração cercado de espinhos -- símbolos dos pecados da humanidade -- e que queria reparação.
A Santíssima Virgem, ao aparecer pela terceira vez aos três videntes -- Lúcia, Francisco e Jacinta -- deu-lhes  uma idéia mais pungente da gravidade do pecado e, portanto, da necessidade da reparação, mostrando-lhes ver o inferno. Para dele salvar a multidão dos pecadores, repete Ela, "Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração".
 Por desígnios insondáveis de Deus, só essa devoção poderia então salvar o mundo. Se não fosse seguida, viriam castigos e uma guerra ainda maior; "para a impedir, virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados.
Aqui Nossa Senhora menciona pela primeira vez essa comunhão reparadora, como meio de evitar a punição.
Se mais esse apelo não fosse ouvido, castigos maiores abater-se-iam sobre o mundo, por meio da Rússia. No entanto, quando tudo parecer perdido, os acontecimentos tomarão outro rumo, pois, afirma Ela, "Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará".

Obtenha graças recorrendo a Maria

Jacinta e Lúcia
Pouco depois das aparições Nossa Senhora, como havia prometido, levou Francisco para o Céu. Jacinta quis permanecer um pouco mais na terra para sofrer pelos pecadores, e sobre ela se abateram inúmeros sofrimentos físicos e morais. O pior deles foi para ela o de morrer sozinha num hospital de Lisboa. Nossa Senhora, entretanto, não a abandonou e, em várias visitas, instrui-a em sua missão reparadora. Um dia antes de seu falecimento, Jacinta chamou Lúcia, dizendo-lhe: "Daqui a pouco irei para o céu. V. ficará aqui para tornar conhecida a vontade de Deus de que se estabeleça a devoção ao Imaculado Coração de Maria no mundo. Quando o tempo de falar chegar, não se esconda. Diga a todo mundo que Deus concede Suas graças através do Imaculado Coração de Maria, que as devemos pedir a Ela, e que o Coração de Jesus quer que o Imaculado Coração de Maria seja honrado juntamente com o seu, que se deve pedir ao Imaculado Coração de Maria pela paz, porque Deus colocou-a sob sua custódia”.

A revelação dos Primeiros Sábados

Lúcia, a única sobrevivente desses celestes contatos, entrou para o Instituto de Santa Dorotéia, onde tomou o nome de Irmã Maria das Dores. Estando no dia 10 de dezembro de 1925 em sua cela, no convento de Pontevedra, Espanha, apareceu-lhe a Santíssima Virgem, tendo ao lado o Menino Jesus, sobre uma nuvem luminosa. Este, mostrando-lhe um coração cercado de espinhos que tinha na outra mão, disse-lhe: "Tem pena do Coração de tua Santíssima Mãe, que está coberto de espinhos que os homens ingratos a todos os momentos Lhe cravam, sem haver quem faça um ato de reparação para os tirar". A Santíssima Virgem acrescentou: "Olha, minha filha, o meu Coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todos os momentos Me cravam com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me consolar, e dize que todos aqueles que durante cinco meses, no primeiro sábado, se confessarem, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um terço e Me fizerem quinze minutos de companhia meditando nos quinze mistérios do Rosário com o fim de Me desagravar, Eu prometo assistí-los na hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação dessas almas".
Esta devoção tem, assim, a finalidade de reparar o Coração Imaculado de Maria pelas ofensas dos homens. E deve ser praticada em cinco primeiros sábados consecutivos. Divide-se em vários ítens, todos indispensáveis:
1 - confissão; (1)
2 - comunhão;
3 - recitação do terço;
4 - e quinze minutos de companhia a Nossa Senhora meditando nos quinze mistérios do Rosário (2).
Na prática, como seguir esta devoção?
Evidentemente a pergunta que se impõe é como praticar essa devoção em nossos dias, no contexto da mensagem de Fátima. Para respondê-la, é necessário considerar-se em primeiro lugar o que é que tanto fazia sofrer o Imaculado Coração de Maria na época das aparições, clamando por reparação, e, em nossos dias, o que acontece a este respeito.
Para isso, pode-se aduzir vários dados revelados por Nossa Senhora a Jacinta. Mas, por brevidade, vamos considerar apenas três pontos:
1 - "Minha madrinha (3), peça muito pelos Padres! Peça muito pelos Religiosos! Os Padres só deviam ocupar-se das coisas da Igreja. Os Padres devem ser puros, muito puros".
"A desobediência dos Padres e dos Religiosos aos seus Superiores e ao Santo Padre ofende muito a Nosso Senhor".
* É o clero de hoje mais virtuoso que o daquela época? Infelizmente não. Basta lembrar que hoje em dia a maioria dos eclesiásticos sente-se mal em trajar-se como pessoas consagradas. E também constatar o número crescente de sacerdotes -- religiosos e seculares -- que não prezam a virtude da pureza, sendo de se perguntar se cumprem o voto de castidade que fizeram.
2 - "Minha madrinha, peça muito pelos governos! Ai dos que perseguem a Religião de Nosso Senhor! Se o governo deixasse em paz a Igreja e desse a liberdade à Santa Religião, era abençoado por Deus".
* Para analisarmos um só aspecto: que governo moderno não tem aprovado pecados públicos e oficiais contra Deus, como o divórcio, o aborto, o "casamento" homossexual...  -- para ficar só no campo moral?
3 - "Os pecados que levam mais almas para o inferno são os pecados da carne".
"Hão de vir modas que hão de ofender muito a Nosso Senhor.
"As pessoas que servem a Deus não devem andar com a moda. A Igreja não tem modas. Nosso Senhor é sempre o mesmo".
* Houve jamais época em que se perdesse mais completamente a noção de pureza, de decência, de pudor, de fidelidade conjugal, de virgindade, de pureza infantil e juvenil do que em nossos dias? O número de divórcios, de uniões ilegítimas, de mães solteiras, de aborto, de pecados contra a natureza... é de clamar aos Céus. A televisão agride os lares, levando para seu interior toda a enxurrada das sarjetas, que, infelizmente, é recebida de modo passivo pela grande maioria das famílias. Enfim, nossa época perdeu inteiramente a noção de pecado.

Conclusão

Com tudo isto visto, poderá parecer a muitos leitores quase impossível cumprir com esta devoção, sobretudo pela imperiosa necessidade de não dobrar os joelhos diante dos ídolos do mundo contemporâneo -- um dos quais a maldita tirania das modas imorais. É necessário, entretanto, ter presente que, o que aos homens é impossível não o é a Deus (cfr. Mt. 19,26). E que o caminho certo para se obter isso é Nossa Senhora.
Realmente, indaga o Pe. Thomas de Saint-Laurent "quereis transformar vossa vida? Quereis praticar facilmente as virtudes que vos parecem inacessíveis e que Deus entretanto vos pede? Quereis conhecer as alegrias inefáveis que somente o amor de Jesus pode proporcionar e que faziam as delícias dos Santos? Quereis experimentar em vós essas maravilhas?". Ele mesmo dá a magnífica e teologicamente exata resposta: "Se o quereis seriamente, não hesiteis um só segundo: dirigi-vos a Maria. Não há caminho mais direto para ir a Nosso Senhor" (4).
Além de estar, por esse modo, reparando Seu Imaculado Coração, que alegria, que paz de alma terá aquele que, livrando-se da tirania do demônio e seus sequazes, aceita o suave jugo de Deus, que o levará ao paraíso celeste! Que para tal, prezado leitor, Nossa Senhora de Fátima conceda-lhe abundantes graças.
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Notas:
(1) Mais tarde, quando o Menino Jesus lhe aparece novamente para cobrar a divulgação dessa devoção, a Irmã Lúcia levantando a dificuldade que algumas pessoas teriam para confessar-se no sábado, pediu-Lhe que fosse válida a confissão de oito dias. O Infante Menino respondeu-lhe que poderia ser até de "muitos mais dias ainda, contanto que, quando Me receberem, estejam em graça e tenham a intenção de desagravar o Imaculado Coração de Maria". Caso a pessoa se esquecesse, ao confessar-se, de formular essa intenção, disse Nosso Senhor que "podem formá-la na outra confissão seguinte, aproveitando a primeira ocasião que tiverem de se confessar".
(2) Aqui intérpretes afirmam que trata-se de meditar sobre um dos quinze mistérios do Rosário, pois do contrário seria praticamente impossível meditar os quinze nos quinze minutos estabelecidos por Nossa Senhora.
(3) Em Lisboa, antes de ir para o hospital, Jacinta ficou hospedada num orfanato onde foi assistida por Madre Godinho. Essa religiosa, a quem as crianças chamavam carinhosamente de "Madrinha", providencialmente tomou nota de suas palavras.
(4) Pe. Thomas de Saint-Laurent, A Virgem Maria, Série Cultura Religiosa nº 3, Artpress, São Paulo, 1996, tradução de Hélio Dias Viana, p. 11.